quarta-feira, 24 de junho de 2015

Ela gosta de dormir. Gosta até demais. Ela dorme tanto, que as vezes esquece do mundo quando deita a cabeça no travesseiro. Mas ela também gosta de acordar. E cedo de preferência. Tem dias que antes mesmo do despertador tocar, ela já está com aqueles olhinhos verdes abertos, prontos pra enxergar um novo amanhecer. Ela adora livros. Gosta tanto que eles quase transbordam das prateleiras metodicamente arrumadas do seu quarto. De acordo com ela, os livros devem ser organizados por autor ou editora. Nada de separá-los ou trocá-los de lugar. Assim também acontece com o DVDs e com as pastas do seu computador. Ela não gosta de bagunça, e por isso, sempre que pode tira algumas horas do seu dia para ajeitar a casa. Isso tudo ela faz ao som de Maria Bethânia, que ela insiste em colocar pra tocar na sua vitrola. Porque como boa colecionadora, ela também tem a sua cota de vinis. Ela é fã de MPB, mas também não dispensa uma boa festa pra dançar. Tem um pique difícil de acompanhar. Tanto pra dançar como pra trabalhar. Aliás, ela trabalharia de manhã, de tarde e de noite se fosse preciso, porque preguiça é uma palavra que costuma sair bastante da boca dela, mas não pertence a sua rotina. Professora, tem um encantamento genuíno pela profissão, e principalmente, pelos seus alunos. Ah, e ela tem tanta coisa a ensinar. Ela ensina dentro e fora da sala de aula. Se tem alguém que pode servir como lição de vida: é ela. A vida dela daria um livro, daqueles que você fica boquiaberto a cada novo capítulo. E o livro dela é repleto de páginas. Cada uma delas é permeada por várias pessoinhas que fazem da vida dela um turbilhão. E ela se dedica a cada uma dessas pessoas como se elas fossem as únicas no mundo. E para ela são. Acredite, se você precisar de alguma coisa, qualquer coisa, ela seria capaz de virar o mundo do avesso pra te ajudar. Mas apesar disto, ela tem certa resistência em ser ajudada, já que acostumou a enfrentar sozinha as adversidades da vida. Ela tem alguns vícios. Um deles é um vício bem doce: chocolate! Ela não pode ver uma caixinha de chocolate em sua frente que não descansa até que eles estejam todos adoçando a sua boca. Ela também é viciada em filmes e principalmente em seriados. E esse vício poderia inclusive lhe render um bom dinheiro, já que ela tem o dom pra escrita e poderia redigir inúmeras críticas. Ah, e ela também tem manias. Quando ela toma banho, ela parece querer levar as gotinhas de água junto ao corpo, porque ela nunca enxuga as costas direito. Ela também tem mania de escovar os dentes no chuveiro. Aliás, dentes são detalhes importantíssimos pra ela. Adora se ensaboar com espojas, porque pra ela, só assim é que a gente fica realmente limpo. É amante das letras minúsculas e das meias de dedinhos. É apaixonada por Havaianas e blusas estampadas. Odeia chá e aprendeu a gostar de sopa. Não é muito fã de abobrinha mas é fanática por sorvete. Prefere andar do que pedalar. Gosta de travesseiros altos e não assiste muita televisão. Nem para dormir. Fala alto, é expansiva e as vezes um pouco grosseira, mas sabe apreciar um bom silêncio e sussurrar palavras de amor.
talvez ela não saiba a falta que faz.
talvez não tenha ideia de que tudo dela, também faz parte de mim.
talvez ela não saiba o quão difícil é não tê-la do lado pra fazer deste texto, infinito.

domingo, 21 de junho de 2015

Por trás daquele sorriso, ela guardava a ausência. A ausência do perfume, do cabelo do calor. Das esperas, das chegadas e das partidas. Ela guardava a ausências das conversas, dos planos, do laço. Ela, que tanto viajara, agora sentia-se presa. Presa nessa ausência inundada de tanta presença.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Ela que nunca fora boa com as palavras, agora sentia-se muda! Tinha na garganta uma imensidão de gritos entalados. Um emaranhado de berros empurrados goela abaixo, forçados a se acomodar num silêncio ensurdecedor. Eram dias amargos aqueles, onde as respostas para toda aquela gritaria interna, voava para um lugar onde somente a distância se encarregaria de hospedá-las. Faltava-lhe ar, faltava-lhe força e faltava-lhe fé, porque no fundo ela sabia que a descrença quando se instala, pode ser ainda mais cruel do que se imagina! Letícia G.
Havia chegado a hora de empacotar as lembranças, arquivar as carta e desligar o telefone. Era hora de lavar o rosto, trocar de roupa e guardar os presentes. Era hora de fechar as portas,trancar as lágrimas e sufocar o grito. Era hora de aposentar o sonhos, desconstruir ilusões, de agarrar-se ao futuro. Era hora da mudança. Uma mudança não na aparência, no endereço ou na decoração. Era uma mudança que não era dela, que não foi pensada e muito menos aceita. Era uma mudança que não trouxe conforto, mas instalou a bagunça e carregou as certezas. Letícia G.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Prisioneiro de si mesmo

Quando é que se tem certeza de que as escolhas feitas foram as certas? Junto a essa, haviam inúmeras questões que preenchiam por inteiro o ser daquela estranha criatura. Já não era mais uma criança e tão pouco se comportava como um adulto. Sentia medo de dormir e mais ainda de acordar. Detestava tomar decisões e conversar com estranhos. Amigos ele quase não tinha. Fazia o possível para manter a teia intocável permeada ao seu redor, impedindo qualquer mínimo contato. Os que conseguiam ultrapassar essa barreira, logo se arrependiam, porque não é fácil se emaranhar na teia alheia e sentir-se preso nas complexidades e problemas de outrem. Mas ele afinal, não queria desfaze-la. Talvez ele quisesse mesmo era ser só, mesmo convicto de que a solidão pode ser tão amarga quanto o desejo de abandoná-la. Letícia G.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Me ensina?

Ela está sempre um passo a frente.
Passos firmes que ela traça com douçura.
Chega vestida de preto, com botas de salto fino, ajustadas à perna até a altura do joelho.
Os cabelos castanhos, clareados nas pontas, repousam delicadamente sobre os ombros.
Nos braços uma tatuagem, quase encoberta pela blusa rendada.

Exala sensualidade.
É livre e sabe disso, assim, mantém distância e sobe degraus.
Degraus tão altos, quase inalcansáveis.

É dela o sorriso, o abrigo, a convicção.
São dela também as palavras.
Ela não aprende, ensina! Letícia.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Você tem fome de quê?

Sem tempo, hora ou destino, o rapaz de sorriso amarelo sente fome. Nas costas, carrega uma mochila, com todos os seus pertences. Presa a ela, está a barraca, com a capa azul já rasurada. Ele levanta-se e atravessa a Praça Rui Barbosa - uma das mais movimentadas de Curitiba – e segue em direção ao Restaurante Popular. Em frente à cabine, a nota de dois reais é retirada do bolso da calça e trocada por um dos dois mil tickets refeição vendidos diariamente. A moeda de um real restante é guardada cuidadosamente para o almoço do dia seguinte.

Gustavo sobe a escadaria rodeada por muros esverdeados e se posiciona em meio à fila de espera para a entrada no restaurante. No cardápio do dia: arroz, feijão, peixe, macarrão, salada e fruta. O cheiro da comida fresca se esvai pelas janelas e é sentido do lado de fora do ambiente, aguçando ainda mais a fome de quem chega a esperar até quarenta minutos em pé para almoçar. Gustavo não se importa. Ele não tem horários e nem preguiça. Há cinco anos seus pés trafegam pela América Latina em busca de aprendizado. O cultivo da terra e a construção de casas de cimento são atrativos que aproximam o argentino do próximo destino traçado: Paranacity. Em Buenos Aires, cidade natal, as casas da comunidade em que morou durante toda a infância – passada boa parte na rua - são construídas com barro e materiais recicláveis. Órfão desde um ano de idade, Gustavo foi criado pelos avós até completar 15 anos - quando a morte dos tutores- o obrigou a andar em par com a solidão. De lá para cá, ele convive, até muito bem, com ela. Prefere assim, porque diz que “não quer ter responsabilidade sob ninguém”, mas comenta sobre o filho de seis anos que mora com a mãe em Buenos Aires. Pergunto se ele sente saudade da família. “Saudade?” ele pergunta. “Não entendo o que quer dizer”, responde risonho.

O estômago ronca. A fila anda e Gustavo despede-se com um forte aperto de mão seguido pela repetição de um aviso fixado na parede do local: "Volte sempre!" Letícia G.